Dra. Natalia Fumagalli

A Síndrome Antifosfolipide (SAF) é uma condição autoimune em que o sistema imunológico produz anticorpos que atacam fosfolipídios, componentes essenciais das membranas celulares. Esses anticorpos danificam as células e aumentam a propensão à formação de coágulos sanguíneos, um processo conhecido como trombose. Como resultado, a SAF é uma trombofilia e pode causar problemas graves como tromboses venosas profundas, embolia pulmonar, acidentes vasculares cerebrais (AVC), e complicações na gravidez, como abortos recorrentes, partos prematuros e pré-eclâmpsia.

O que é síndrome anti-fosfolípide?

A SAF é um distúrbio auto-imune que causa eventos trombóticos e/ou obstétricos na presença de anticorpos persistentemente positivos. É uma condição que pode ocorrer associada a outros distúrbios auto imunes, mais comumente Lupus eritematoso sistêmico.

Os critérios diagnostico de SAF incluem a apresentação de evento um evento clinico (que pode ser trombótico OU gestacional) associados a presença de auto-anticorpos detectáveis repetidos em 2 ocasiões. Os anticorpos pesquisados classicamente são anticoagulante lupico, anticardiolipina IgG e IgM e e anti beta 2 glicoproteína IgG e IgM. Questões sobre a sensibilidade e especificidade dos anticorpos são debatidos frequentemente na comunidade médica.  

É esperado ser feito diagnostico de 2 pessoas a cada 100 mil pessoas por ano. Espera-se que a cada 100 mil pessoas, 50 tenham SAF.

Quem tem SAF?

A síndrome antifosfolípide (SAF) afeta principalmente mulheres. Muitas pessoas que passaram por várias perdas de gravidez mais tarde descobrem que SAF é a causa de sua condição.

Mulheres que têm abortos espontâneos recorrentes e pessoas que têm um derrame antes dos 50 anos às vezes descobrem que a SAF é uma causa subjacente. Estima-se que a SAF afete 5x mais mulheres que homens.

Tipos de SAF

A SAF pode ser definida como SAF obstétrica, ou seja, as manifestações clínicas ocorrem apenas em mulheres durante a gravidez. Existe também SAF trombótica, essa por sua vez se manifesta com trombose venosa, arterial ou até microvascular, com eventos trombo-embolicos geralmente graves, espontâneos e ameaçadores a vida.

Diagnóstico

Critérios clínicos
Trombose vascular
Um ou mais episódios clínicos de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido
A trombose deve ser confirmada por estudos de imagem apropriados ou histopatologia
A trombose na amostra histopatológica deve estar presente sem inflamação da parede do vaso
Morbidade obstétrica
Uma ou mais mortes fetais inexplicáveis de um feto morfologicamente normal na 10ª semana de gestação ou além
Um ou mais nascimentos prematuros de um recém-nascido morfologicamente normal antes da 34ª semana de gestação devido a insuficiência placentária e/ou eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave
Três ou mais abortos espontâneos precoces consecutivos antes da 10ª semana de gestação; com fatores maternos e paternos, como anormalidades anatômicas, hormonais e cromossômicas, devem ser descartados
Critérios laboratoriais
Níveis médios a altos de anticorpos anti-fosfolipides detectados em duas ou mais ocasiões, com pelo menos 12 semanas de intervalo.
Anticoagulante lúpico, detectado de acordo com as diretrizes da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia
Anticorpos anticardiolipina (IgG e/ou IgM) em níveis médio-altos (>40 unidades ou acima do percentil 99)
Anticorpos anti-glicoproteína I B2 IgG e/ou IgM em níveis médio-altos (>40 unidades ou acima do percentil 99)

Anticorpos antifosfolípidos

Os anticorpos antiFosfoLipidess são um grupo heterogêneo de autoanticorpos que se ligam principalmente a proteínas plasmáticas circulantes quanto ligadas aos próprios fosfolipídios. A prevalência da detecção desses anticorpos é de cerca de 1–5% na população em geral e aumenta até 40% em pacientes com complicações na gravidez.

Anticoagulante lúpico

O anticoagulante lupico é heterogêneo, detectados com um teste funcional que mede a capacidade do antifosfolípide de prolongar as reações de coagulação dependentes de fosfolipídios. A detecção de anticoagulante lupico é muito desafiadora, pois tem muitas armadilhas que levam a resultados falsos positivos ou falsos negativos.

As diretrizes da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH) divulgadas em 2009, atualizadas em 2018, forneceram um passo em direção à padronização do AL. De acordo com essas diretrizes, a detecção de Anticoagulante Lupico baseia-se no uso simultâneo de dois ensaios com princípios diferentes, seguindo um procedimento de várias etapas, com etapas de triagem, mistura e confirmação.

Os mais comumente usados são o tempo de tromboplastina parcial ativada seguido pelo teste de veneno de víbora de Russell diluído. A presença de AL deve ser sempre confirmada pela realização dos ensaios na presença de excesso de fosfolipídios, com a correção do prolongamento dos tempos como resultado da mistura com fosfolípide.

É importante analisar um resultado de anticoagulante lupico com cautela. Se possivel realizar em laboratorios de apoio com experiencia e estrutura adequada para auxiliar na tomada de decisões.

Anticorpos anticardiolipina

Os aCL são anticorpos heterogêneos que, em imunoensaios, se ligam a um complexo de fosfolipídios e proteínas plasmáticas. Neste ensaio, podem ser medidos dois tipos de anticorpos que se ligam apenas aos fosfolipídios e que podem ter ou não significado clínico.

Anticorpos anti-glicoproteína β2

Os anticorpos anti-β2GPI são específicos contra um cofator com afinidade por fosfolipídios aniônicos que inibe in vitro a ativação da protrombina e a agregação plaquetária.

Os anticorpos aCL e anti-β2GPI dos isotipos IgM e IgG são detectados por ensaios imunológicos seguindo a recomendação do subcomitê ISTH. Os isotipos IgG e IgM, em título médio-alto, têm maior significado clínico. Em baixos titulos, não tem relevância clinica.

Anticorpos antifosfolípides “soro negativos”

Uma série de autoanticorpos não incluídos nos critérios de classificação laboratorial, os chamados anticorpos soro-negativos, foram relatados nos últimos anos relacionados a manifestações de SAF. Aqueles direcionados contra duas proteínas principais de ligação a fosfolipídios (ou seja, protrombina e β2GPI) demonstraram a maior associação com trombose ou morbidade gestacional.

Os novos anticorpos descorbertos na pesquisa de SAF não são incluidos nos critérios diagnóstico. Devem ser pesquisados naquelas pacientes com manifestações clinicas de SAF e sem positividade dos exames classicados citados anteriormente. Ou seja, não exames de rotina.

Entre esses anticorpos se inclui anti-fosfatidilserina, anti-fosfatidiletanolamina, anti-anexina A5, anti-protrombina, anticardipina IgA e anti Beta 2 glicoproteina IgA.

Estratificação de risco na síndrome antifosfolípide

Perfis de SAF de alto risco
Positividade persistente de Anticoagulante Lupico (medida de acordo com as diretrizes do ISTH em duas ou mais ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo)
Positividade dupla de anticorpos (qualquer combinação de anticoagulante lúpico, anticorpos anticardiolipina ou anticorpos anti-β2 glicoproteína I)
Tripla positividade para aFL (AL + aCL IgG/IgM + anti-β2GPI IgG/IgM
Perfis de SAF de baixo risco
IgG/IgM anticardiolipina ou anti-β2GPI isolada e positiva em títulos baixos-médios, particularmente se transitoriamente positiva

SAF trombótica

A SAF pode causar trombose venosa, arterial, microvascular, ocasiosando sintomas a depender da região acometida, tais como:

  • trombose venosa profunda (pernas, braços)
  • Embolia pulmonar
  • Trombose do baço
  • Trombose de veia renal
  • Trombose de veia cerebral ou retiniana
  • Infarto agudo cardiaco por trombose arteria coronaria
  • Trombose de arteria retiniana
  • AVC (acidente vascular cerebral)

As manifestações microvasculares incluem livedo, que são alterações rendilhadas na pele, nefropatia (piora de pressão arterial, perda de proteína na urina, insuficiencia renal aguda ou perda de sangue na urina), além de hemorragia pulmonar, hemorragia adrenal, doença cardiaca com infarto sem obstrução coronarias.

Podem ter ainda doenças em valvulas cardiacas, evoluindo com vegetação ou aumento de espessura da valvula. Pode ocorrer redução dos níveis plaquetários pela SAF, variando suas contagens entre 20 a 130 mil.

Em casos raros, a SAF não tratada pode aumentar se você tiver incidências simultâneas de coagulação em todo o corpo. Isso é chamado de síndrome antifosfolípide catastrófica. Pode causar sérios danos aos seus órgãos, bem como a morte.

SAF obstétrica

A SAF obstétrica é caracterizada por abortos espontâneos precoces (menos de 10 semanas) recorrentes, repetidamente, ou de morte fetal, parto prematuro devido a pré-eclâmpsia grave ou insuficiência placentária.

Atualmente a SAF obstétrica é uma considerada umas das poucas doenças trataveis que geram abortos recorrente. O manejo da SAF é um desafio para o médico, pois as mulheres com SAF tem elevado risco obstétrico. Apesar disso, a SAF é classificada em diferentes niveis de gravidade de acordo com suas características laboratoriais e clínicas.

Opções de tratamento para a síndrome antifosfolípide

O tratamento da SAF depende de duas coisas: manifestação clinica e anticorpos relacionados.

Portadores de SAF que tiveram manifestações apenas gestacionais tem indicação de uso de AAS contínuo. Já portadores de SAF que tiveram trombose, necessitam usar AAS + anticoagulante para toda vida. Portanto, com o tratamento, essas pessoas terão tendencia a sangramentos.

A escolha do tipo e potência do anticoagulante é debate na SAF, uma vez que a warfarina é mais potente e segura para esses pacientes. No entanto, é indiscutível que warfarina é superior aos outros anticoagulantes para pacientes com SAF, e é melhor indicada para pacientess com perfil de anticorpos altos, duplo ou triplo positivos.

Pacientes com SAF obstetrica devem, durante a gravidez, receber enoxaparina. A dose ira depender das manifestações clinicas. Abortos requerem uso de AAS + 40mg enoxaparina SC 1x ao dia. Pacientes com perdas gestacionais tardias ou com eclampsia já necessitam dose de anticoagulação plena durante gravidez e nas 6 semanas após parto.

Depois da gravidez, essas pacientes devem manter o uso de AAS. É necessário manter acompanhamento médico continuo pois situações em que aumentem o risco de trombose podem desencadear complicações graves e deve se usar anticoagulantes profiláticos a depender das exposições do paciente.

Modificações no estilo de vida para a síndrome antifosfolípide

Se você for diagnosticado com SAF, várias atitudes podemos ter para reduzir o risco de trombose. Uma dieta saudável pode reduzir o risco de possíveis complicações, como derrame.

Comer uma dieta rica em frutas e vegetais e pobre em gorduras trans e açúcares lhe dará um sistema cardiovascular mais saudável, tornando os coágulos sanguíneos menos prováveis.

Se você estiver tratando SAF com varfarina, seja consistente na quantidade de vitamina K que você consome. Pequenas quantidades iguais diarias de vitamina K podem não afetar seu tratamento. Mas variar regularmente a ingestão de vitamina K pode alterar perigosamente a eficácia do medicamento.

Alimentos ricos em vitamina K:

  • Couve, Espinafre, Brócolis
  • Alface romana
  • Couve de Bruxelas
  • Acelga, Couve-flor
  • Repolho, Aspargos
  • Pepino (com casca)
  • Óleo de soja
  • Óleo de oliva
  • Salsa, Coentro
  • Kiwi, Amoras

Fazer exercícios regulares também pode fazer parte do gerenciamento de sua condição. Evite fumar e mantenha um peso saudável para o seu tipo de corpo para manter o coração e as veias fortes e mais resistentes a danos.

Perspectiva

Se não for tratada, a SAF pode danificar seu sistema cardiovascular e aumentar o risco de outras condições de saúde, como aborto espontâneo e derrame. Para a maioria das pessoas com SAF, sinais, sintomas e riscos à saúde relacionados podem ser controlados com anticoagulantes e medicamentos anticoagulantes.

Existem alguns casos em que esses tratamentos não são eficazes e outros métodos precisam ser usados para evitar a coagulação do sangue. O tratamento da SAF é vitalício, pois não há cura para essa condição.

Tratamento

O tratamento da SAF visa prevenir novos episódios de trombose e complicações associadas. Anticoagulantes, como a varfarina ou rivaroxabana, são frequentemente prescritos para reduzir o risco de formação de coágulos.

Para pacientes que não podem tomar anticoagulantes orais, injeções de heparina podem ser usadas. Em alguns casos, a aspirina em baixa dosagem é associada ao tratamento para ajudar a prevenir complicações. Em gestantes, o uso de heparina de baixo peso molecular e aspirina é comum para melhorar os resultados da gravidez.

Prognóstico

O prognóstico para pacientes com SAF varia dependendo da gravidade da doença e da adesão ao tratamento. Com o tratamento adequado e monitoramento regular, muitas pessoas conseguem evitar complicações graves e levar uma vida normal. No entanto, a SAF é uma condição crônica, e os pacientes precisam de acompanhamento médico contínuo para ajustar o tratamento e prevenir novos eventos trombóticos. Sem tratamento, a doença pode levar a complicações sérias e até fatais, destacando a importância de um diagnóstico precoce e de um manejo cuidadoso.

Em resumo, a Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide é uma doença autoimune séria, mas que pode ser controlada eficazmente com o tratamento certo, permitindo que muitas pessoas vivam uma vida plena e ativa.

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