Dra. Natalia Fumagalli

A gravidez é um fator conhecido que aumenta o risco de trombose devido alterações hemostaticas e hormonais. Ter uma trombofilia é algo que pode elevar ainda mais esse risco. O comum é não ter trombose na gravidez. Sendo assim, como devemos tratar uma paciente gestante com trombofilia ou tromboembolismo prévio durante a gravidez e no período pós-parto? As perguntas que devemos nos fazer:

  1. Em quem devemos reduzir o risco de TVP na gravidez e puerperio?
  2. Qual é o risco de trombose durante a gravidez ou o período pós-parto?

Prever o risco trombótico e de sangramento e saber o que fazer com essas informações é algo de grande debate entre os profissionais da saúde, mas os tratamentos devem ser individualizados e decisões devem ser compartilhadas. Uma pergunta que deve ser feita pelo médico e pelo paciente é: A Heparina melhora a taxa de nascidos vivos em pacientes grávidas com perda recorrente da gravidez e trombofilia hereditária?? As evidências sobre se há uma associação entre trombofilia hereditária e perda gestacional são conflitantes.

A associação entre perda gestacional e SAF está bem estabelecida e foi demonstrado que a heparina em combinação com aspirina aumenta a taxa de nascidos vivos em pacientes com síndrome antifosfolipídica e perda gestacional recorrente.

No entanto, a eficácia da heparina para perda gestacional recorrente em pacientes com outras trombofilias permanece desconhecida. Pacientes com trombofilia hereditária confirmada (fator V Leiden, mutação do gene da protrombina, deficiência de antitrombina, proteína C ou proteína S) que estavam tentando ativamente engravidar ou que estavam com menos de sete semanas de gravidez eram elegíveis foram randomizadas para receber Heparina em dose profilática ou vigilância padrão da gravidez após a confirmação da gravidez.

Os tipos mais comuns de trombofilia foram fator V Leiden (56%), mutação do gene da protrombina (25%) e deficiência de proteína S (14%). As taxas de nascidos vivos foram 71,6% no grupo Heparina e 70,9% no grupo de vigilância padrão (sem diferença estatística).

Esses são resultados impactantes de estudos bem estruturados com vários pacientes incluidos devem mudar a prática médica. O uso de profilaxia anticoagulante em mulheres com perda recorrente de gravidez e trombofilia hereditária é generalizado, apesar da falta de evidências que suporte essa conduta.

Os estudos atuais estabelecem que a heparina em pacientes com trombofilia hereditária não melhora a taxa de nascidos vivos, confirmando que não deve ser usada. Os estudos fortalecem a noção de que os testes de rotina para trombofilia hereditária em pacientes com perda recorrente de gravidez não devem ser feitos, uma vez que os resultados não afetarão o tratamento.

A heparina de baixo peso molecular (clexane) é o anticoagulante de escolha na gravidez devido ao seu perfil de segurança superior; a heparina não fracionada tem um risco maior de trombocitopenia e osteoporose induzidas por heparina com o uso prolongado, e a varfarina e os anticoagulantes orais diretos (AODs) apresentam um risco potencial de malformações congênitas.

O uso da profilaxia com heparina é justificado quando os benefícios do tratamento superam os riscos ou quando a heparina previne eventos trombóticos mais importantes com mais frequência do que causa sangramento importante. Embora esse equilíbrio pareça óbvio, precisamos entender qual é a proporção de tromboembolismo venoso fatal e quais taxas de letalidade por sangramento associado ao tratamento.

Taxas de letalidade por tromboembolismo venoso e sangramento foram relatadas na população não gestante, mas há menos dados disponíveis para gestantes. Em uma metanálise de pacientes de cirurgia ortopédica que receberam anticoagulação profilática, a proporção de sangramentos fatais foi 2 a 3 vezes maior que a proporção de tromboembolos venosos fatais.

A hemorragia, uma importante causa de mortalidade materna, foi atribuída a 11,4% das mortes relacionadas à gravidez nos Estados Unidos entre 2011 e 2013, e um sangramento anteparto importante pode afetar a viabilidade fetal. Portanto, com base predominantemente em dados da população não gestante, se assumirmos que o sangramento fatal com profilaxia da heparina é 2 a 3 vezes mais provável do que o tromboembolismo venoso fatal na gravidez, a profilaxia da heparina teria que prevenir mais 2 a 3 eventos de tromboembolismo venoso para fornecer benefício para cada sangramento importante relatado.

O risco de sangramento pode ser negligenciado. Médicos e pacientes muitas vezes superestimam o benefício e subestimam os danos das intervenções.

Diferenças em um limiar de risco de tromboembolismo venoso levarão a diferentes recomendações para profilaxia da heparina durante a gravidez. Com base em um voto anônimo de especialistas internacionais em gravidez com trombose, a maioria escolheu um risco maior ou igual a 3% como limite de risco de TEV para profilaxia pré-parto e 3% ou mais como limite de risco de TEV para profilaxia pós-parto; no entanto, nem todos os especialistas concordaram.

A perspectiva dos pacientes: uma abordagem holística

Ao tomar decisões sobre a profilaxia com heparina, os pacientes podem atribuir valores diferentes à prevenção de trombose ou sangramento, ou podem considerar fatores adicionais, como injeções diárias (até 400 injeções por gravidez), custo significativo (mais que R$ 10.000 por gravidez), medicalização de uma gravidez e outros possíveis efeitos adversos.

Resumo do limiar de risco de TEV: uma abordagem equilibrada

Em resumo, provavelmente não há benefício clínico líquido para a profilaxia da HBPM quando o risco absoluto de tromboembolismo venoso no período anteparto ou pós-parto é de <1%, e provavelmente há um benefício clínico líquido quando o risco absoluto de tromboembolismo venoso é de >3%.

Qual é o risco de tromboembolismo venoso para pacientes grávidas com trombofilia hereditária, síndrome antifosfolípide ou tromboembolismo venoso prévio e quais são as recomendações para profilaxia da HBPM?

Trombofilia hereditária

Risco atribuível à população de trombofilia hereditária para TEV na gravidez e no período pós-parto

A história familiar é importante. Há variação no risco de TEV relatado para cada uma das trombofilias hereditárias, em parte devido à presença ou ausência de história familiar de tromboembolismo venoso e desenho do estudo. Uma história familiar de TEV aumenta o risco de TEV de um indivíduo em até 2 a 4 vezes, independentemente do status de trombofilia.

Risco absoluto de tromboembolismo venoso na gestação e no pós-parto em mulheres assintomáticas com trombofilia hereditária com e sem história familiar

Trombofilia hereditáriaHistória familiar de tromboembolismo venoso*Risco combinado de pré-parto e pós-parto (%)
Fator V Leiden
HeterozigotosNão1.2
HeterozigotosSim3.1
HomozigotoNão4.8
HomozigotoSim14.0
Mutação Gene Protrombina
HeterozigotosNão1.0
HeterozigotosSim2.6
HomozigotoNão3.7
HomozigotoSim
Fator V Leiden combinado com mutação protrombina5.5
Deficiência Prot C
Não0.7
Sim1.7
Deficiência Prot S
Não0.5
Sim6.6
Deficiência de Anti-trombina
Não0.7
Sim3.0

Fator V heterozigoto de Leiden ou mutação do gene da protrombina

Mulheres heterozigóticas para fator V de Leiden (FVL) ou mutação do gene da protrombina (PGM) sem história pessoal ou familiar de tromboembolismo venoso têm um risco muito baixo de tromboembolismo venoso no período anteparto (<1%) ou pós-parto (<1%).

Entre as mulheres heterozigóticas para FVL ou PGM e que têm história familiar de TEV, o risco absoluto de TEV no período pré-parto ou pós-parto é algo entre 1% e 3%. Entre os estudos de base familiar FVL e PGM, a maioria dos eventos de TEV relacionados à gravidez ocorreu no período pós-parto.

Recomendações:

Em mulheres sem história pessoal ou familiar de TEV que são heterozigóticas para FVL ou PGM, não recomendo profilaxia rotineira de HBPM antes ou pós-parto devido ao baixo risco (<1%) de TEV. Se houver história familiar de TEV, recomendado apenas 6 semanas de HBPM no pós-parto, reconhecendo que o risco de TEV sem HBPM no período pós-parto é provavelmente entre apenas 1% e 3% para essas mulheres e pode ser equivalente ao risco de sangramento importante.

Deficiência de proteína C e proteína S

Mulheres com deficiência de proteína C (PC) ou proteína S (PS) e sem história familiar de TEV também têm um risco estimado baixo (<1%) no período pré-parto ou pós-parto. Mulheres com níveis de atividade mais reduzidos de PC (<50%) ou PS (<40%) podem ter um risco aumentado de TEV. Estudos familiares mais antigos relatam um risco anteparto ou pós-parto ligeiramente maior na faixa de 1% a 3%.

Os níveis de PS diminuem gradualmente ao longo da gravidez, portanto, qualquer diagnóstico de deficiência de PS deve ser evitado na gravidez ou no período pós-parto imediato. Quaisquer níveis baixos devem ser confirmados fora da gravidez e, possivelmente, apenas se estiverem bem abaixo dos intervalos de referência relatados na gravidez por trimestre.

Recomendações:

Entre as mulheres com deficiência de PC ou PS sem história familiar de TEV, recomendado vigilância clínica sem profilaxia anteparto ou pós-parto para HBPM. Para gestantes com deficiência de PC ou PS e história familiar de TEV, recomendado 6 semanas de profilaxia pós-parto.

Homozigoto ou composto heterozigoto FVL e PGM

Pacientes homozigotas para FVL ou PGM apresentam maior risco de tromboembolismo venoso durante a gestação, particularmente aquelas com história familiar de tromboembolismo venoso. A falta de história familiar de tromboembolismo venoso pode ser menos útil para a estratificação de risco nesses pacientes. Para gestantes que são heterozigotas compostas para FVL/PGM, há relatos mistos de um intermediário a alto risco de tromboembolismo venoso associado à gravidez.

Recomendações:

Em mulheres homozigóticas ou heterozigóticas compostas para FVL e PGM e sem histórico familiar de TEV, recomendo pelo menos 6 semanas de profilaxia pós-parto com HBPM. Em mulheres homozigóticas ou heterozigóticas compostas para FVL e PGM com história familiar de TEV, recomendo profilaxia da HBPM pré-parto e pós-parto.

Deficiência de antitrombina

O risco entre gestantes com deficiência de antitrombina (TA) é difícil de prever e é afetado pela história familiar e gravidade da deficiência. Entre os estudos de coorte familiar, o risco de tromboembolismo venoso relatado é de 3.0% a 8.3% no período pré-parto e pós-parto combinados.

Recomendações:

Entre as mulheres com deficiência de anti-trombina e sem histórico familiar, sugere-se 6 semanas de profilaxia pós-parto para HBPM. Entre as mulheres com deficiência de anti-trombina e história familiar de TEV, recomendado a profilaxia da HBPM antes e pós-parto.

Síndrome antifosfolípide

A síndrome antifosfolípide (SAF) é diagnosticada se pelo menos 1 critério laboratorial e 1 critério clínico estiverem presentes. De acordo com os critérios laboratoriais, os pacientes devem ter pelo menos 1 dos seguintes: um anticoagulante lúpico positivo (LAC), anticorpos anticardiolipina (aCL) de imunoglobulina G (IgG) e/ou IgM isotipo >99º percentil ou >40 GPL/MPL, ou anticorpos anti-β2 glicoproteína 1 (anti-β2GP1) de IgG e/ou IgM isotipo >99º percentil em 2 ou mais ocasiões com pelo menos 12 semanas de intervalo.

De acordo com os critérios clínicos, as pacientes devem ter pelo menos 1 episódio de tromboembolismo venoso, tromboembolismo arterial, trombose de pequenos vasos ou complicações gestacionais mediadas pela placenta, com base em 3 perdas gestacionais consecutivas na <10ª semana de gestação, 1 perda tardia (≥10 semanas de gestação) ou parto prematuro <34ª semana devido a pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou insuficiência placentária grave.

As pacientes que receberam anticoagulação para tromboembolismo venoso ou arterial passado são trocadas para clexane em dose plena quando engravidam. Pacientes com perdas fetais avançadas também são tratadas com clexane pleno. Já as pacientes que tiveram apenas abortos, usam AAS + clexane profialtico.

TEV anterior

Mulheres com TEV passado não provocado ou associado ao estrogênio apresentam aumento do risco de trombose durante a gestação. Para gestantes com TEV previamente provocado resultante de um fator de risco importante, como trauma, cirurgia ou imobilização prolongada, o risco de recorrência de tromboembolismo venoso anteparto parece menor (1%).

É recomendado a profilaxia da HBPM pré-parto e pós-parto para todas as mulheres com TEV passado não provocado ou associado ao estrogênio. Para mulheres com TEV provocado resultante de um fator de risco provocador importante, recomendo apenas profilaxia pós-parto. Para mulheres com tromboembolismo venoso provocado e trombofilia, tomo uma decisão individualizada com base no tipo de evento provocado, trombofilia e valores e preferências do paciente.

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